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Aline Campbell durante sua viagem pela Europa; pegando carona (fotos dos extremos), em Londres (acima) e com um senhor que conheceu na Sérvia (abaixo) (Foto: Aline Cambell/Arquivo pessoal) |
Sem nenhum dinheiro no bolso – nem cartão de crédito para emergências --, a brasileira Aline Campbell, de 24 anos, foi longe: durante 92 dias, percorreu a Europa e conheceu 30 cidades em 14 países.
Fora o gasto prévio com as passagens aéreas de ida e volta, ela não desembolsou nada com transporte, hospedagem ou comida. A intenção era depender apenas da ajuda de estranhos para dormir, comer e se locomover.
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Aline com dois motoristas com os quais pegou carona durante a viagem (Foto: Aline Campbell/Arquivo pessoal) |
O projeto da viagem foi batizado de “Open Doors” (portas abertas). “A ideia era ter abertura para conhecer gente de culturas diferentes, pontos de vista diferentes”, diz Aline, que é artista plástica e mora no Rio de Janeiro.
Ela diz que não fez isso por necessidade financeira nem para provar que é possível viver sem dinheiro. “Queria mostrar que quando você confia no mundo, nas pessoas, na bondade, o bem vem”, afirma.
Após entrar na área de embarque do aeroporto com R$ 20, usados para pagar seu último lanche no Brasil, Aline entrou no avião e desembarcou em Amsterdã.
Além da Holanda, Alemanha, França, Inglaterra, Suíça, Itália, Eslováquia, Sérvia e República Tcheca são alguns países que ela conheceu.
O deslocamento entre as cidades era feito sempre de carona com carros e caminhões: foram 54, no total.
Aline diz que recebeu algumas cantadas no caminho, mas que, após uma conversa, tudo se esclarecia. “Não era frequente, mas já aconteceu. Aí eu conversava abertamente e dava tudo certo. Nunca ninguém tentou forçar ou passar a mão”, diz. Apenas uma vez ela pediu para ser deixada no próximo posto, quando encontrou um motorista italiano muito insistente.
Ela recomenda que todo turista que vá pedir carona faça uma placa – “nem que seja uma seta desenhada” – mostrando que é um viajante e que não tem segundas intenções. “No Brasil a prostituição na estrada existe, e os motoristas podem confundir as coisas”, diz.
Quando estava na Alemanha, descobriu que na Europa é proibido pegar carona no meio da estrada (só é permitido em postos de gasolina ou em locais de parada) ao ser abordada por um carro de polícia. Acabou subindo na viatura e pegou carona com os próprios policiais.
Na casa de estranhos
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Nos Alpes, vendo neve pela primeira vez; ela foi convidada por seus anfitriões para ir a uma estação de esqui (Foto: Aline Campbell/Arquivo pessoal) |
Na maior parte do tempo, ela dormiu na casa de estrangeiros que conheceu pelo site Couchsurfing – rede de pessoas que recebem viajantes gratuitamente em suas casas.
Outras vezes, o motorista que dava carona oferecia hospedagem em sua casa. “Cheguei muitas vezes em uma cidade sem conhecer ninguém e sem lugar pra ficar”, conta.
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Aline na estrada, com sua mochila (Foto: Aline Campbell/Arquivo pessoal) |
Numa ocasião, dormiu dois dias no carro com um senhor que se dirigia para a Sérvia. Chegando ao país, ele pagou duas diárias em um albergue para ela. “Ele me tratou como a uma filha. Foi incrível.”
Uma única vez o esquema não deu certo. No trajeto entre a Alemanha e a França, ela e uma amiga que se juntou à viagem por duas semanas se viram em um pedágio “no meio do nada”, à noite, no frio. A solução foi dormir no banheiro do pedágio.
Houve momentos também em que ela se viu sozinha na estrada, na chuva, à noite. Mas Aline diz que não considera que tenham sido experiências negativas. “Tudo serviu para me fortalecer”, afirma.
Perda de peso e lanche para a estrada
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Aline Campbell em Paris (Foto: Aline Campbell/Arquivo pessoal) |
Para comer, a artista plástica contava com a hospitalidade de seus anfitriões, que deixavam a geladeira e a despensa à disposição e até davam um lanche para ela levar na viagem.
Enquanto estava na rua, em geral não se alimentava. “Senti fome algumas vezes, mas não posso dizer que passei fome. É aquela fome de quando você toma café da manhã e vai almoçar às 5h da tarde.”
"Cheguei muitas vezes em uma cidade sem conhecer ninguém e sem lugar para ficar"
Aline Campbell
Na primeira metade do percurso, emagreceu bastante, principalmente porque andava frequentemente de bicicleta e não comia o suficiente para suprir o gasto com a prática do esporte. Depois, conta que passou a comer melhor.
Nos passeios, privilegiava programas gratuitos. Mas também foi convidada por seus anfitriões para vários programas, alguns de preço alto. Foi assim que ela viu neve pela primeira vez em uma estação de esqui nos Alpes e assistiu a um espetáculo do Cirque du Soleil na Eslováquia, por exemplo.
Junto com a mochila pequena com itens pessoais – pouco mais do que quatro camisas, dois shorts, uma calça e um casaco --, ela levou outra bolsa, mais pesada, com material artístico.
Em Budapeste e em Bratislava, acabou trocando a hospedagem por obras na parede de albergues da juventude. Também presenteou alguns anfitriões com quadros seus.
Mudança de rumo
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Aline em Berlim (Foto: Aline Campbell/Arquivo pessoal) |
Antes de sair do Brasil, Aline fez um planejamento mínimo do roteiro que pensava percorrer. Não conseguiu seguir quase nada. Dependendo das pessoas que encontrava pelo caminho, acabava mudando de rumo.
Foi assim que, no caminho para Praga, acabou indo parar em Paris. Também chegou à Sérvia, país que ela “nem sabia onde era” e que a acabou conquistando. “Tive experiências muito legais e achei as pessoas muito acolhedoras.”
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Cochilando no metrô (Foto: Aline Campbell/ Arquivo pessoal) |
O domínio do inglês e a compreensão do espanhol ajudaram na comunicação, mas em alguns países foram em vão. Quando os interlocutores não falavam um desses idiomas, era “na base do gesto e do sorriso”, conta Aline.
Após os três meses de trajeto, ela chegou à conclusão de que viajar sem dinheiro é "mais fácil do que parece". “Fiquei muito feliz com tudo. A maioria das coisas eu consegui sem pedir.”
A viagem de Aline terminou no fim de setembro, mas ela já teve outra experiência parecida. Na última semana, foi do Rio a São Paulo pegando carona em quatro caminhões diferentes. Hospedou-se com um jovem que havia ouvido falar sobre sua viagem e ofereceu sua casa.
Sua ideia é, no início de 2014, viajar do Rio pela costa do Nordeste até o Maranhão.
Os pais e familiares de Aline, que no início ficaram preocupados com sua forma de viajar, hoje já estão mais acostumados.“Foi a mesma reação de todo mundo que eu encontrei no caminho: acharam que eu estava louca, que não era seguro, que não era possível. Mas hoje eles viram que dá certo. Desde que você confie e acredite”, afirma.
Fonte: G1, em São Paulo
Por: Flávia Mantovani