MEIO AMBIENTE
Cocaína encontrada em Tubarões: Um Alerta Sobre a Poluição dos Oceanos
22/08/2024
10:00
DAKILANEWS
Cerca de 269 milhões de pessoas no mundo usam drogas anualmente. Uma questão biológica básica frequentemente esquecida é que tudo o que entra no corpo precisa sair. Os esgotos estão repletos de drogas excretadas pelo corpo humano, com componentes químicos fragmentados que possuem efeitos semelhantes às próprias drogas.
Os resultados de um estudo recente surpreenderam biólogos que investigavam os efeitos da poluição marinha na vida selvagem costeira. Focando nos tubarões-bico-fino-brasileiro (Rhizoprionodon lalandii), também conhecidos como cação-rola-rola, os pesquisadores analisaram 13 exemplares capturados entre setembro de 2021 e agosto de 2023 nas águas da praia do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro.
Estes pequenos tubarões, medindo entre 46 e 73 centímetros de comprimento, foram inadvertidamente capturados por pescadores locais. O estudo revelou algo alarmante: todos os tubarões analisados apresentavam traços significativos de cocaína e seu metabólito, benzoilecgonina, nos tecidos musculares e hepáticos. Além disso, todas as fêmeas analisadas estavam grávidas, levantando preocupações sobre os potenciais efeitos da exposição à cocaína nos fetos desses animais.
A descoberta intrigou os cientistas, que observaram níveis de cocaína três vezes mais altos do que os de benzoilecgonina, sugerindo que a droga não havia sido metabolizada antes de entrar no ambiente marinho. Esta é a primeira vez que a presença de cocaína foi detectada em tubarões, tendo concentrações aproximadamente cem vezes maiores do que as encontradas em outros animais marinhos estudados.
Esses animais são considerados bons indicadores da qualidade do ambiente e são frequentemente usados em estudos que avaliam a presença de poluentes no oceano. Estudos destacam a presença de várias barreiras que dificultam a incorporação dessa droga nos tecidos dos tubarões. "Para a droga chegar até o animal, é preciso haver um grande volume circulando no ambiente", afirmou o cientista.
Sendo assim, os tubarões podem absorver a cocaína diretamente através de suas guelras ou ao consumir presas menores que contenham a substância. Esta bioacumulação pela cadeia alimentar pode explicar por que os tubarões apresentaram níveis mais altos de cocaína do que outros organismos aquáticos testados anteriormente, segundo os autores do estudo.
Os efeitos negativos da cocaína em tubarões são considerados "prováveis" pelos autores da pesquisa, baseando-se em estudos anteriores que mostraram danos em peixes-zebra e mexilhões expostos à droga. Pesquisas revelaram que a cocaína pode afetar a visão e a capacidade de caça dos peixes, além de impactar a formação de óvulos e a produção de hormônios esteroides em enguias, resultando em menor taxa de maturação dos ovos.
Estudos realizados na República Tcheca, publicados no Journal of Experimental Biology, analisaram a exposição de trutas-marrons à metanfetamina e encontraram mudanças na química cerebral dos peixes semelhantes às observadas em casos de dependência em humanos. Esse vício pode levar à perda de interesse por atividades essenciais como alimentação e reprodução, impactando a sobrevivência dos peixes. Embora haja indícios, os efeitos mais amplos dessas drogas nos ecossistemas marinhos ainda são amplamente desconhecidos.
Apesar da quantidade de cocaína identificada nos tubarões estarem na casa dos milionésimos de gramas, muito menores do que as ingeridas por usuários da droga, “Não temos como dizer se a saúde humana vai ser impactada, mas os resultados servem de alerta para o que estamos jogando nos mares e do que estamos nos alimentando”, disse Enrico Mendes Saggioro, líder do grupo que encontrou as drogas nos tubarões.
A pesquisadora Rachel Davis também afirma que a droga pode entrar no organismo humano pelo consumo comum no Brasil do tubarão-cação-rola-rola como alimento. O consumo de cação – nome popular com que é comercializada a carne de várias espécies de tubarão – é popular em diferentes regiões do Brasil.
O estudo de Saggioro possui uma amostragem pequena, o que não permite extrapolar as conclusões para outros animais. Visto que os cientistas também não coletaram amostras de água do local de captura, a equipe entende a limitação de seus resultados e decidiram publicar prontamente os resultados inéditos. Logo, eles estão conduzindo novos estudos para compreender melhor esses achados, testando outras espécies marinhas e analisando amostras de água para traçar um panorama mais abrangente da contaminação por cocaína e outros contaminantes em toda a bacia hidrográfica do Rio de Janeiro.
A detecção de cocaína nos tubarões, que chamou a atenção da opinião pública, é um sinal de que esses e outros peixes estão possivelmente contaminados por poluentes despejados diariamente nos mares. Além de cocaína, outras drogas ilícitas, medicamentos, hormônios, microplásticos, metais pesados e diversos compostos já foram identificados em organismos marinhos. "Estamos adoecendo os oceanos", afirmou Saggioro.
Apesar de todo alarde para a alta quantidade de cocaína e outros poluentes nas águas, a poluição através do deságue do esgoto não é a única hipótese para esse caso. Os pesquisadores consideram a possibilidade de que os tubarões tenham ingerido frações de pacotes de cocaína destinados ao tráfico internacional.
O Núcleo Especial de Polícia Marítima (Nepom) da Polícia Federal fluminense sustenta essa tese, destacando que o Recreio dos Bandeirantes fica próximo ao porto de Itaguaí, usado para enviar drogas à Europa.
No tráfico marítimo, a cocaína é frequentemente embalada em material impermeável e ocultada em compartimentos submersos nos navios. Por isso os policiais acreditam que um carregamento pode ter se soltado, contaminando os peixes, o que explicaria a alta quantidade de cocaína encontrada nos tubarões.
Outros de contaminação em ambientes aquáticos
Um artigo publicado na revista Nature Sustainability ainda alerta para uma crescente ameaça à biodiversidade, aos serviços ecossistêmicos e à saúde pública, por conta da contaminação generalizada de ecossistemas marinhos com ingredientes farmacêuticos ativos. Esse tipo de poluição, envolvendo resíduos farmacêuticos legais e ilegais, tem sido pouco estudado em relação à vida selvagem nos oceanos, rios e lagos.
Cientistas já detectaram vestígios de cocaína e outras drogas ilegais em animais marinhos próximos a grandes cidades como Londres e na costa da Flórida. Em 2019, pesquisadores no Reino Unido encontraram cocaína em camarões de água doce em todos os 15 rios onde coletaram amostras, detectando drogas ilícitas com mais frequência do que alguns produtos farmacêuticos comuns.
A poluição ambiental por esses produtos químicos pode ocorrer de várias formas, incluindo o tratamento inadequado durante a produção dos fármacos e o consumo humano. Quando uma pessoa toma um medicamento, nem todo o composto é decomposto pelo corpo, e parte dele acaba sendo excretado no esgoto.
Muitas vezes, enormes quantidades de esgoto chegam a rios e águas costeiras sem tratamento adequado, e uma vez no meio ambiente, essas drogas e seus subprodutos podem afetar a vida selvagem. Este cenário alarmante destaca a necessidade urgente de mais pesquisas e ações para mitigar os impactos da poluição farmacêutica nos ecossistemas aquáticos.
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