TRAGÉDIA ANUNCIADA E SILENCIADA
Caso Gerson expõe falhas graves no sistema de saúde mental, segurança pública e proteção social
Ex-detento com transtornos psiquiátricos morreu ao invadir jaula de leoa após sucessivas fugas, surtos e ausência de atendimento contínuo. Enterro foi marcado por comoção e polêmicas. Especialistas apontam responsabilidades compartilhadas entre Estado e políticas públicas negligenciadas.
02/12/2025
08:45
REDAÇÃO
MARIA GORETI
Gerson de Melo Machado, o “Vaqueirinho”, havia sido alertado por servidores do sistema prisional como paciente de alto risco e sem condições de permanecer nas ruas sem tratamento. @ILUSTRATIVA
A morte de Gerson de Melo Machado, conhecido como “Vaqueirinho”, após invadir a jaula de uma leoa, segue gerando forte repercussão em todo o país. O ex-detento, que possuía transtornos mentais severos, havia sido tema de alertas públicos feitos por servidores do sistema prisional dias antes da tragédia.
Edmílson Alves, diretor da Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega, já havia descrito o risco iminente:
“Quem conversar com Vaqueirinho 5 ou 10 minutos vai saber que ele não é uma pessoa normal. Ele tem problema, é acompanhado e tem laudo. Surtou várias vezes, se automutilou. Ele é alguém que tem problemas mentais”, afirmou em 25 de novembro.
O ex-detento havia apresentado comportamento autodestrutivo por anos, incluindo agressões contra si próprio e episódios de fuga. No período em que esteve detido, dependia de medicação contínua para manter estabilidade mínima.
Gerson foi sepultado na segunda-feira (1º), no Cemitério do Cristo, em João Pessoa (PB). Familiares relataram sentimento de impotência após repetidas tentativas de buscar apoio psiquiátrico, enquanto especialistas apontam que sua condição exigia internação permanente ou supervisão intensiva algo que não ocorreu.
A repercussão aumentou por conta de vídeos e fotos que circularam nas redes sociais no momento da tragédia, gerando indignação sobre a exposição desnecessária de um paciente vulnerável.
A morte de Vaqueirinho expõe um problema recorrente no Brasil: a fronteira difusa entre responsabilidade penal e responsabilidade clínica quando o indivíduo tem transtornos mentais severos.
O diretor Edmílson foi explícito ao afirmar que o presídio não era o lugar adequado para Gerson, mas também reconheceu que o CAPS tampouco tinha estrutura para contê-lo.
Pacientes graves, como ele, geralmente exigem acompanhamento diário, internação supervisionada e equipe multidisciplinar o que não é oferecido em escala suficiente.
Em liberdade, sem monitoramento, sem adesão ao tratamento e vulnerável a surtos, o ex-detento tornou-se risco para si mesmo.
A invasão da jaula, segundo colegas do sistema prisional, teria relação com comportamento infantilizado e com a busca por “chamar atenção” ou “voltar ao presídio”, onde se sentia protegido.
O caso desencadeou debates sobre negligência pública. Especialistas em políticas sociais e parlamentares apontam:
*As unidades CAPS foram idealizadas para atender casos moderados, não perfis complexos com risco de autoagressão ainda assim, se tornaram o único recurso disponível.
* Estados brasileiros não possuem hospitais psiquiátricos suficientes, e as comunidades terapêuticas não são preparadas para casos de psicose ou surtos violentos.
* Juízes, muitas vezes sem subsídio técnico profundo, acabam determinando encaminhamentos que não correspondem ao grau real de necessidade clínica.
O debate político se dividiu entre quem defende reforço da rede pública de tratamento e quem critica a desativação de instituições psiquiátricas de longa permanência.
O caso Gerson se tornou um símbolo da fragilidade do cuidado público para pessoas com transtornos mentais.
A sociedade, mal informada, ora demoniza, ora ridiculariza pessoas como ele.
A circulação de vídeos da tragédia mostra o quanto a dor humana pode ser tratada como espetáculo.
O “monstro” ou “herói” que alguns tentam construir não existia.
Existia um homem enfermo, pobre, sem apoio familiar e sem tratamento adequado.
A morte de Gerson não foi acidente. Foi consequência de omissões acumuladas por anos.
O Estado falhou.
A rede de saúde mental falhou.
A Justiça falhou.
A sociedade falhou.
E o desfecho brutal, chocante e triste escancara um sistema que reage tarde demais, apenas após a tragédia consumada.
Se nada mudar, Gerson não será o último.
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